A
PSICOGENÉTICA DE WALLON
E
A
EDUCAÇÃO INFANTIL
ANA BEATRIZ CERISARA [1]
Este artigo pretende apresentar
alguns aspectos que evidenciem a necessidade e validade de um estudo
aprofundado da psicogenética walloniana e de suas relações com a educação
infantil, além de refletir sobre uma possível metodologia a ser utilizada para
enfrentar este estudo.
Começo com uma introdução em que
procuro situar os impasses teóricos e práticos que vinha sentindo como
formadora de professoras de educação infantil e que me levaram a buscar a
teoria psicogenética. Em seguida, na primeira parte apresento uma breve síntese
dos princípios epistemológicos que sustentam a teoria walloniana; na segunda
parte, o tema emoção é analisado na
trama das relações que o autor estabelece com os demais grandes temas:
movimento, inteligência, pessoa e pedagogia. E por último, apresento alguns
aspectos relativos às decorrências que, do meu ponto de vista, a teoria
psicogenética da pessoa pode trazer para os educadores em geral, mais
especificamente para aqueles que trabalham com crianças de 0 a 6 anos.
INTRODUÇÃO:
O que me levou a realizar estudos
sobre a teoria psicogenética de Wallon foi decorrência dos impasses
teórico-metodológicos que vinha enfrentando em meu trabalho como formadora de
professores para educação infantil junto à Universidade Federeal de Santa
Catarina. Após alguns anos utilizando a teoria psicogética da inteligência de
Piaget como suporte psicológico para a prática pedagógica de minhas alunas, junto à crianças de 0 a 6 anos que frequentavam creches e pré-escolas, fui
cada vez mais sentindo que este referencial teórico entrava em choque com os
pressupostos epistemológicos que sustentavam a minha postura como educadora,
que entendia a construção do indivíduo e da realidade social como
complementares de um processo dialético de apropriação e interiorização da
realidade objetiva, no qual interagem fatores objetivos (fruto das
determinações sócio-econômicas mais amplas) e fatores subjetivos (fruto das
idiossincrasias e singularidades dos indivíduos e de suas biografias).
Além destas questões de ordem mais
filosófica-pessoal, outras foram surgindo
decorrentes do próprio movimento dentro da área da psicologia na qual
novas abordagens a respeito do funcionamento humano, foram criando condições
para o questionamento mais aprofundado da teoria de Piaget e de suas relações
com a educação, que possibilitaram o cotejo entre teorias, também
psicogenéticas, mas com concepções de homem, mundo, aprendizagem e educação
bastante distintas.
O contato com a abordagem
histórico-cultural da escola de psicologia russa e com sua forma de conceber a
criança, as relações entre aprendizagem e desenvolvimento, o papel do educador
e da escola , o papel da atividade humana mediada pelos sistemas de signos e
pelos instrumentos técnicos na construção de
formas humanas de pensamento e de inserção no mundo foram legitimando e fundamentando
teóricamente as dúvidas já "sentidas mas ainda não compeendidas" a
respeito dos limites e posibilidades apresentadas pela teoria de Piaget.
Ler autores com pressupostos
teóricos compatíveis com os que eu acreditava serem os mais adequados na
compreensão do homem no mundo, fêz com que percebesse não só a fragilidade do
meu conhecimento a respeito da teoria psicogenética de Piaget e a consequente
necessidade de enfrentá-la mais densa e profundamente, como também evidenciou
que a problemática era mais profunda do que parecia à primeira vista. Explico
melhor: quando os trabalhos de Vygotsky começaram a ser publicados e a ser
divulgados, foi-se instalando entre os educadores um verdadeiro estado de
rivalidade entre os que defendiam "os dogmas" piagetianos e os que
defendiam "os dogmas" vygotskyanos. Esta defesa se dava no nível
mais elementar e aparente possível,
dando a impressão de que bastaria aparar algumas arestas para que as duas
abordagens não significassem mais
ameaças uma para a outra e, principalmente, evidenciando um uso indevido e
redutor dos trabalhos destes autores.
Discutia-se então as oposições mais
evidentes: papel da linguagem egocêntrica, a relação
aprendizado/desenvolvimento, os fatores endógenos e os fatores exógenos no desenvolvimento
humano, o papel do meio na constituição dos sujeitos, entre tantos outros.
É claro que todas estas questões
fluiram das reflexões feitas por Vygotsky em suas obras publicadas no Brasil.
Ler Vygotsky foi, de certa forma,
perceber que não só havia uma distorção entre a produção de Piaget e o consumo
que alguns educadores haviam feito dela, como foi tornando evidente a
necessidade de encontrar uma teoria que, complementar aos pressupostos
epistemológicos da escola russa, pudesse oferecer uma teoria a respeito do
desenvolvimento infantil dentro de uma abordagem psicogenética e histórica que
viesse a fundamentar o trabalho dos educadores.
Assim foi-se cristalizando a
necessidade de enfrentar o desafio de ler Wallon, tarefa iniciada tantas vezes
e outras tantas interrompida, quer pela dificuldade de compreender os textos do
autor, quer pela incapacidade de perceber exatamente onde residia os meandros
da contribuição do mesmo para a tarefa pedagógica. Havia clareza quanto ao
compromisso e necessidade de estudar Wallon reinterada constantemente pelas
produções na área da educação infantil, que apresentavam o autor francês como
uma possível saída para o impasse teórico colocado entre a psicogenética
piagetiana e a perspectiva histórico-cultural dos russos.
No entanto, tinha clareza quanto à
necessidade de não eleger uma teoria psicológica como aquela que daria conta de
todos os impasses vividos pelos educadores e muito menos, com o tom
pessoal-apaixonado que vinha acompanhando os diferentes modismos pedagógicos
que eu já havia acompanhado e, em alguns momentos, vivido em minha trajetória
de educadora.
Por outro lado, o eixo norteador das
minhas preocupações era o papel dado à afetividade no processo de formação das
professsoras que trabalham com crianças de 0 a 6anos. Pelo fato de trabalhar com formação
destas professoras a questão da afetividade assumia uma dimensão de destaque
uma vez que as crianças desta faixa etária se encontram marcadas pelas emoções
e por suas manifestações, fazendo com que as professoras tenham necessáriamente
que lidar com este "mundo das emoções" baseadas, na maioria das
vezes, em noções teóricas muito
precárias e insuficientes para instrumentalizá-las a lidar e compreender, tanto
as descargas emocionais das crianças, quanto as suas próprias reações frente a
estas descargas.
Sem querer cair na "pedagogia
do amor" buscava um referencial
teórico que auxiliasse a compreender o papel que a afetividade exerce na
prática pedagógica das professoras, e, por outro lado, elementos que
auxiliassem na compreensão das pluralidades e singularidades presentes no
cotidiano das práticas pedagógicas sem
deixar de considerar a "pessoa" que a professora é - entendida
como síntese entre as determinações materiais da sua existência e as especificidades
e peculiraridades decorrentes da sua subjetividade biográfica.
Estas preocupações se inscreviam em
um contexto mais amplo, marcado por contradições envolvendo alguns pares
presentes na discussão a respeito dos paradigmas das ciências humanas e, consequentemente,
dos limites e possibilidades da racionalidade humana na tarefa de
cognoscibilidade da realidade objetiva: razão-emoção; objetividade -
subjetividade; ciências exatas - ciências humanas; social-individual;
teoria-prática; discurso-ação.
Partindo do pressuposto de que a
educação é uma prática social que se alimenta dos conhecimentos produzidos por
diferentes áreas do conhecimento percebia a necessidade de manter uma
perpectiva inderdisciplinar, em que a psicologia comparece como uma entre tantas
outras áreas do conhecimento, que pode e deve iluminar a compreensão do
processo educativo em suas múltiplas facetas. Portanto ela interessa na medida
que oferece um quadro explicativo a respeito da forma como a criança apreende o
mundo a ser conhecido. Este referencial teórico é necessário e até fundamental
para os educadores, mas está longe de dar conta de toda a complexidade do
processo educativo.
Neste sentido não pode ser tomado
como um referencial absoluto e muito menos dogmático, com o risco de se tornar
um impedimento para o avanço do conhecimento do que detonadora dele. Kramer
define belamente o que tem muitas vezes
aprisionado os educadores, muito mais do que auxiliado: "A neutralidade, a
racionalidade científica, a verdade da ciência são miragens e, como tal,
hipnotizam, embaçam, nebulam o olhar crítico que voltamos ao real. Penso que é
preciso desembaçar este nosso olhar, descristalizar ou despertar nosso falar,
na tentativa de enxergar o real e representá-lo nas suas contradições, na sua ambiguidade,
na sua descontinuidade, rompendo com a postura de velar métodos e técnicas como
quem vela mortos..."(Kramer, 1992: p.25)
É dentro deste contexto e com as
preocupações já mencionadas que iniciei
meus estudos sobre a psicogenética de Wallon. Meu objetivo com as reflexões que
seguem é de um lado realizar uma síntese do percurso realizado e dos aspectos que, do meu ponto de vista,
merecem ser destacados como as contribuições mais valiosas da sua teoria e, de
outro, tentar relacioná-las com o trabalho pedagógico. Realizo esta tarefa
seguindo o alerta feito por Heloísa Dantas : "A vastidão das perspectivas
que ele (Wallon) abre é a maior justificativa para trazê-lo à apreciação do
nosso meio universitário. Mas o caráter denso e complexo dos seus textos impõe
a humildade do trabalho de divulgação. Quem quer que deseje conseguir
interlocutores em torno das concepções wallonianas, precisa aceitar a modéstia
da função de apresentador". (Dantas, 1990, p.2)
1ª PARTE: PRINCÍPIOS EPISTEMOLÓGICOS
Para iniciar esta apresentação vou
situar alguns princípios epistemológicos presentes na obra de Wallon e que
podem auxiliar na compreensão da dinâmica peculiar do seu trabalho, uma vez que
em cada tema tratado estes princípios
orientam tanto a sua visão de mundo walloniana, quanto o seu método de trabalho
e a interpretação dos resultados obtidos. Vamos a eles:
1º- DEVIR:
É
importante salientar que sua escolha do materialismo dialético como base
epistemológica para o seu trabalho de pesquisador foi decorrente dos seus
estudos iniciais como médico. "Para Wallon, o materialismo dialético não é
uma doutrina vinda do exterior e sim o resultado lógico, iniludível de seus
estudos científicos sobre o desenvolvimento do Homem na criança."(Pedro
Dantas,1983: p.16) Foi por entender que a realidade é feita de processos e não
de estados que ele escolheu o método
histórico, genético para a psicologia, segundo ele o único capaz de manter a
inteireza do seu objeto - a pessoa humana. As conclusões do médico antecederam
as do teórico. René Zazzo destaca que de Marx, Wallon ficou com o ideal de
libertação e, no plano científico, conservou do marxismo não o ensino de um
dogma e sim um método de análise.
A preocupação com o devir fundamenta
a idéia de que para compreender o indivíduo é preciso o conhecimento da sua
biografia; para compreender o adulto é preciso conhecer a criança e, portanto,
para compreender uma função é preciso conhecer a sua gênese. Cada fato deve ser
estudado em seu devir já que o psiquismo humano tem uma natureza contraditória,
multifacetada, dinamogênica, plena de fenômenos conflitantes. A psicogênese
walloniana é despida de modelos terminais de caráter universal, nela "o
desenvolvimento da criança não se dá por simples soma dos progressos que prosseguiriam
sempre no mesmo sentido. Apresenta oscilações através de certos mecanismos:
manifestações antecipadas, retornos, retrocessos...Não há, no entanto, senão
oscilações à revelia."(Wallon,s/d: p.105)
Sua escolha pelo materialismo
dialético representou uma solução epistemológica, para trabalhar com a
psicologia: "Ciência híbrida, situada na intersecção entre dois mundos, o
da natureza e o da cultura, a psicologia é a dimensão nova que resulta do
encontro, e mantém a tensão permanente do seu jogo de forças."(Dantas,
1992: p.37)
2º- TRAMA:
Toda função
deve ser analisada dentro de uma trama de interdependência entre os elementos.
Tudo está em relação à tudo. Decorre disso o método comparado que visa
entrelaçar a ontogênese, a filogenênese, a patologia e a involução, surgindo
assim um tripé walloniano cujos elementos interligados levarão à dimensão do
homem adulto normal: a criança, o doente (processo de evolução e involução
filogenética)e o animal (processo de evolução e involução ontogenética).
A psicogenética walloniana
apresenta, portanto,uma abordagem multicausal em que ao estudar uma função do
desenvolvimento humano ela busca as
funções que estabelecem com esta um jogo de anterioridade, incompatibilidade e,
dialéticamente, de paternidade. O fato de uma função ser anterior à outra não
assume uma conotação de causalidade.
A lei de integração funcional
confere às possibilidades posteriores, mais complexas, o poder de, ao surgir,
impor o seu controle sobre as arcaicas. A relação entre anterior e posterior,
na sucessão genética,é , por consequinte, diversa. Uma função posterior pode
desempenhar um papel causal em relação a uma anterior, na medida em que lhe
re-define o significado e, dessa forma, retroage. (Dantas, 1992 : p.24)
3º- CONFLITO-CONTRADIÇÃO:
Entende a
dialética como uma disciplina do pensamento racional para apreender a realidade
em seus eventuais conflitos e contradições. A presença de conflitos, crises,
contradições na trajetória humana são, segundo Wallon, os pontos fecundos para
o trabalho e a compreensão da pessoa humana, daí seu interesse pelos pares:
emoção-razão; automatismo-reflexo; movimento cortical-movimento sub-cotical;
inteligência natural-inteligência artificial; biológico-social; sujeito-objeto,
entre tantos outros. É o próprio Wallon que afirma:
... o materialismo dialético é
favorável ao devir incessante do sujeito e do universo, mas não da maneira
incondicionada e fatalista do existencialismo. É partidário da objetividade
experimental, mas sem cair no formalismo metodológico do positivismo nem no seu
agnosticismo de princípios. Decalcado do real, aceita toda a sua diversidade,
todas as contradições, convencido que elas se devem resolver e que até são
elementos de explicação, pois o real é o que é, não obstante ou mais
precisamente pos causa delas."(Wallon, 1975:p.188)
4º- A MATERIALIDADE DA REALIDADE
A realidade
tem uma existência anterior e exterior à consciência que a conhece. Não é
produto da mente humana. Ela é processual, explosiva e requer uma posição
epistemológica que se afasta do inatismo e do empirismo.
A apreensão da realidade é um
esforço contínuo do sujeito com o objeto, no qual o objeto resiste ao sujeito e
o obriga a se modificar. Esse esforço deixa sempre um vazio, entendido como um
motivo para uma nova aproximação do
sujeito sobre o objeto. O vazio funciona como desencadeador de aproximações
sucessivas. A realidade é cognoscível e é ilimitada, portanto não há termo para
o processo do conhecimento.
Os objetos não são nunca só físicos,
mas sempre culturais. Sua teoria situa a vida social como o terreno das
construções tanto da vida intelectual quanto da vida emocional. A realidade,
para Wallon está organizada em níveis: o inorgânico, o orgânico e o
consciente-pensante. O ponto que lhe interessa é o salto qualitativo do
orgânico para o consciente, daí a afirmação de que a vida mental supõe um
determinado nível de complexificação entre o orgânico e o social.
A psicologia, portanto, não é só
sócio-histórica ela é uma ciência bio-sócio-histórica. O psicológico é uma
intersecção entre o biológico e o social que produz novas sínteses. Este
social, vale destacar é por sua vez constituído de dois níveis: a interpessoal
e a cultural
Uma vez apresentada esta breve
síntese dos princípios epistemológicos
que fundamentam a abordagem walloniana, vou tentar articulá-los tomando por
eixo norteador um dos grandes temas com os quais Wallon trabalha - a emoção - e
que será analisado na trama de relações que estalelece com os demais grandes
temas, quais sejam, o movimento, a inteligência, a pessoa e a pedagogia,
eleitos pelo autor por constituirem,
segundo ele, um conjunto indissociável do funcionamento humano.Desta forma,
acredito que o enredo dentro do qual o autor circula possa ficar melhor
explicitado.
2ª PARTE: A EMOÇÃO
Esta é sem dúvida uma das grandes
contribuições da obra walloniana, uma vez que rompe com a distinção que tem
sido feita pela psicologia tradicional entre razão e emoção. A idéia de pessoa
inteira deve dar lugar tanto para as manifestações da inteligência, quanto das
razões da emoção. Por isso,se justifica falar de uma psicogenética da pessoa em
Wallon e de uma psicogenética da inteligência em Piaget.
É importante destacar que emoção
para Wallon não é a mesma coisa que afetivo. O emocional é fugaz e transitório,
visível corporalmente. A situação afetiva é mais permanente e implica uma carga
de atração e repulsão de um objeto de amor e ódio. Wallon trabalha com o
emocional, entendido como um estádio do qual participa o orgânico e o cognitivo,
mas ligado ao corpo, por exemplo, medo, cólera, timidez, tristeza, para depois
trabalhar o afetivo.
Para elaborar a sua teoria da emoção
o autor faz duas opções: uma para dar conta da sua natureza
paradoxal(dialética), e outra para acompanhar as suas mudanças
funcionais(genética). A emoção, como função humana tem uma natureza
bio-social-psíquica. Tem uma natureza biológia porque possui no sistema
nervoso, centros para coordenar seus efeitos tanto no plano subcortical(sua
expressão é involuntária), como no plano cortical(suscetível ao controle
voluntário).
Por ser a primeira forma de vínculo
com as demais pessoas, em virtude do estado de canhestria, de imperícia, de
incompetência cognitiva do início da vida da criança ela tem uma natureza
social. Na infância a emoção é a forma através da qual a criança mobiliza o outro para atendê-la em seus
desejos e necessidades, tem portanto um valor plástico e demonstrativo
significando a realização mental das funções posturais e tirando delas
impressões para a consciência. A emoção consegue estabelecer esta comunicação
com o outro através de um diálogo tônico que apresenta um forte componente de contágio.Daí afirmar
que a emoção é endêmica.
A emoção na teoria walloniana foi
denomindada de atividade próprioplástica
exatamente porque ela tem um caráter de plasticidade corporal, ela esculpe o
corpo, se fazendo visível ao outro. Está portanto, intimamente ligada ao
movimento, sendo através dele que as
alterações emocionais se exteriorizam.
Wallon acredita que existe nos
movimentos uma dimensão afetiva e uma dimensão práxica. Inicialmente os
movimentos são reflexos e impulsivos (0 a 3 meses); em seguida, surgem os movimentos
involuntários onde se incluem os chamados movimentos expressivos (3-12 meses),
ligados ao nível subcortical do cérebro e que tem como formas de manifestação
principais a mímica e a atitude. Os movimentos práxicos são controlados pelo
córtex cerebral e possibilitam os movimentos instrumentais(12-18 meses).
Aliados ao amadurecimento cerebral, às influências do meio e ao aparecimento da
função simbólica começam a surgir os ideo-movimentos (18-36 meses) até alcançar
o ato mental(internalização do ato). Evidencia-se assim a sequência genética evolutiva do motor ao mental, em que
a emoção por ser um sistema de expressão e não de representação tem
predominância até o aparecimento da linguagem. Entre as emoções e as
representações existe antagonismos e incompatibilidades, o que não impede que a
emoção desempenhe um papel na gênese da representação.
Voltemos então à interelação entre
o desenvolvimento do movimento e o
desenvolvimento da afetividade infantil. Wallon destaca que "a atividade
tônica é a matéria de que são feitas as emoções. Esta atividade é produto da
relação imediata do movimento e da sensibilidade."(Wallon, 1986: p.14)
A função tônica é considerada a mais
arcaica atividade muscular do homem e está presente nas emoções.Para
compreendê-la é preciso situá-la dentro de quadro das funções dos músculos: a
cinética (clônica- responsável pelo movimento visível dos músculos) e a tônica
(postural - responsável pela manutenção do músculo parado). A função tônica
flutua de acordo com a carga emocional ou do movimento.
Surge dessa diferenciação uma
classificação das emoções baseada nos diferentes papéis desempenhados pelo
tônus: as emoções hipotônicas que reduzem o tônus, e as emoções hipertônicas
que geram tônus.
Além de ter uma natureza bio-social
a emoção tem também uma dimensão psíquica, já que é ela que realiza a transição
do estado orgânico do ser para o estado cognitivo-cultural. O comportamento
emocional precede a organização da vida de relação em geral e da consciência em
particular.
No entanto, suas relações tanto com
os automatismos das reações ligadas ao tônus, quanto com a atividade intelectual
supõe ao mesmo tempo uma reação de
filiação e de oposição. Vemos imbrincados nesta construção da pessoa o
movimento,a emoção e a inteligência. O movimento para Wallon é portanto duplo:
mental e afetivo.
A afetividade, nesta perspectiva, não é apenas uma das dimensões da
pessoa: ela é também uma fase do desenvolvimento, a mais arcaica. O ser humano
foi, logo que saiu da vida orgânica, um ser afetivo. Da afetividade
diferenciou-se, lentamente, a vida racional. Portanto, no início da vida, afetividade
e inteligência estão sincreticamente misturadas, com o predomínio da
primeira." (Dantas, 1992 : p.90)
A vida intelectual requer alguns
instrumentos necessários à sua realização tal como a linguagem, que é
construída na vida social. Sendo a vida emocional o primeiro terreno das
relações interindividuais de consciência, ela é também uma das condições
necessárias à vida intelectual. Emoção e inteligência mantém contínuas
relações.
A pessoa se constrói em um processo
constituído por alternâncias entre períodos de predomínio de construção do
sujeito (dominantemente afetivos) e de períodos de construção do objeto
(dominantemente cognitivos).
Nos momentos dominantemente
afetivos do desenvolvimento o que está em primeiro plano é a construção do
sujeito, que se faz pela interação com os outros sujeitos; naqueles de maior
peso cognitivo, é o objeto, a realidade externa, que se modela, à custa da
aquisição das técnicas elaboradas pela cultura. Ambos os processos são, por
conseguinte, sociais, embora em sentidos diferentes: no primeiro, social é
sinônimo de interpessoal; no segundo, é o equivalente de cultural."(Dantas,
1992 : p.91)
Esta forma de pensar o
desenvolvimento humano, em que sujeito e objeto se constroem mutuamente, alternando-se
na preponderância do consumo de energia psicogenética é, do meu ponto de vista,
uma das idéias mais originais dentro do quadro da psicologia do
desenvolvimento. Em geral os psicólogos do desenvolvimento infantil pensam o
desenvolvimento num processo que vai do interno para o externo numa progressão
contínua e irreversível. Wallon apresenta a progressão da forma sincrética à
forma diferenciada (categorial) da criança se relacionar com o mundo e com ela
própria, mas o percurso é sinuoso, um percurso de vai-e-vem entre o interno e o
externo."Cada novo momento terá incorporado as aquisições feitas no nível
anterior, ou seja, na outra dimensão. Isto significa que a afetividade depende,
para evoluir, de conquistas realizadas no plano da inteligência, e vice-versa."
(Dantas, 1992: p.90)
Este conceito de alternância
funcional entre os diferentes períodos do desenvolvimento é fundamental para a
compreensão da perspectiva walloniana. Decorrentes da atividade dos tecidos na
constituição e reconstituição das energias específicas dependem do metabolismo,
cuja fase de utilização e gasto chama-se de catabólica e a de acúmulo de
energia, de anabólica.
As fases relativas à construção do
sujeito por terem uma direção interna seguem a orientação centrípeda e as que
tem uma direção externa seguem a orientação centrífuga. As etapas da pessoa
apresentam-se numa sucessão bifásica de abertura (elaboração do real) e de
fechamento (construção do Eu). Nas palavras do próprio Wallon:
...as diferentes idades em que se
pode decompor a evolução psíquica da criança opõem-se como fases à orientação
alternativamente centrípeta e centrífuga orientada para a edificação cada vez
maior do próprio indivíduo ou para o estabelecimento das suas relações com o
exterior, para a assimilação ou para a diferenciação funcional e adaptação
subjetiva.(Wallon, s/d: p.105)
Na sua teoria do desenvolvimento da
pessoa percebe-se que a criança só começa a ser pessoa com o aparecimento da
simbolização, por volta da metade do primeiro ano. O desenvolvimento da pessoa
que levará à construção do Eu evidencia um percurso com as seguintes
características:
- busca de
integração entre afetivo-cognitivo e entre
corpo-mente;
-
contradição dinamogênica entre os aspectos endógenos do indivíduo (emoção e
razão) e os aspectos exógenos (eu e o outro);
- o
desenvolvimento é entendido como um processo de diferenciação e de individuação
que envolve dois níveis: o eu do outro (exterioridade) e o das funções internas
(afetividade/ cognição, sensório/ motor tônico e cinético).
Wallon apresenta cinco etapas da
psicogênese: 1ª) impulsiva-emocional; 2ª) sensório-motora-projetiva; 3ª)
personalista; 4ª) categorial; 5ª) adolescência. Nestas etapas encontram-se
explicadas as características de cada uma, no que diz respeito à percepção,
movimento, afetividade, inteligência, pessoa e predomínio funcional.
3ª PARTE: DECORRÊNCIAS PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL
Por último
gostaria de pontuar alguns aspectos, mesmo que em forma de tópicos, relativos
às decorrências desta teoria psicogenética da pessoa para iluminar as reflexões
pedagógicas atuais, pois como afirma Heloísa Dantas: "Para aqueles que
superam as resistências iniciais, a obra de Wallon adquire um apelo especial: a
possibilidade de integrar a ciência psicológica a uma concepção epistemológica
dialética e derivar dela uma pedagogia políticamente
comprometida."(Dantas, 1992: p.4)
-Em
primeiro lugar, vale a pena destacar O Projeto de reforma Langevin-Wallon
em que ele apresenta a sua concepção de escola evidenciando tanto preocupações
sociais como psicogenéticas ainda hoje
oferecendo elementos inspiradores para um projeto educacional;
-"Wallon
constata a reciprocidade entre psicologia e educação, sem precedência ou
supeioridade de uma sobre a outra. Ambas constituem momentos complementares de
uma mesma atitude experimental: a pedagogia inspira, anima e enriquece a
pesquisa psicológica e dela participa. Por sua vez, a psicologia pode ocasionar
a pesquisa pedagógica e oferecer bases para a renovação da prática
educativa". (Nadel Brufert, 1986: p.9) Esta relação entre educação e
psicologia tem sido, ainda hoje, uma meta não alcançada;
-A evolução
da inteligência constrói a afetividade entendida como a logicização do amor e,
a afetividade constrói a inteligência entendida como a amorização da lógica. Ou
seja, para cada etapa do desenvolvimento há diferentes formas de trabalhar o
afetivo e o cognitivo. O aumento da
competência, diminui a carga emotiva. Assim pode-se realizar uma "terapia cognitiva"
onde a aprendizagem, portanto, o trabalho com o cognitivo assume um caráter
terapêutico de resgate da auto-imagem.
Esta perspectiva vai contra a idéia
unidirecional e causal que a pedagogia tem do cognitivo e do emocional. A
relação não aprendizagem-problema emocional pode e deve ser trabalhada via o
refinamento da aprendizagem, assumindo uma dimensão curativa no nó emocional;
- A
compreensão da emoção na criança deve ser entendida em relação à emoção do
adulto e vice-versa. Isto leva ao chamado circuito perverso, em que a emoção da
criança determina a emoção do adulto ficando este à mercê daquela, à semelhança
da "hipnose do peixe". Este circuito só pode ser revertido via a
corticalização, isto é, o conhecimento e compreensão do mesmo por parte do
adulto, pode alterar sua emoção;
- O fato da
emoção ser “regressiva”, levar à ineficácia do funcionamento cognitivo, impõe
que a educação da emoção deva fazer parte do trabalho educativo, o que
determina a necessidade de um conhecimento profundo do seu modo de
funcionamento por parte dos educadores;
-
Importante lembrar que o que se refere à criança/bebê remete sempre à
arqueologia do funcionamento humano/adulto, ao funcionamento arcaico que está
sempre pronto a se atualizar diante de qualquer estado de imperícia cognitiva;
-A forma
como Wallon articula movimento/ emoção/ cognição com sua base orgânica/
corpórea instrumentaliza o professor para descobrir diferentes formas de dar
"afeto", tais como, toque epidérmico, toque da voz, toque do olhar;
-As
concepções wallonianas a respeito do movimento apontam para condições
tônico-posturais das crianças diferentes a cada etapa do seu desenvolvimento
que deveriam ajudar a repensar as exigências das instituições educativas em
relação às mesmas;
- A
concepção de Wallon sobre a educação se caracteriza, essencialmente, pelo
otimismo, otimismo decorrente de sua concepção da criança e de seu
desenvolvimento. Para Wallon, a fatalidade não existe:"A constituição
biológica, ao nascer, não será a única lei do destino ulterior da criança. Seus
efeitos podem ser amplamente transformados pelas ciscunstâncias sociais de sua
existência, sem que a escolha pessoal esteja ausente." (Werebe, 1986:
p.21)
Espero que este esboço inicial a
respeito da psicogenética walloniana permita que se instaure um diálogo profícuo, possibilitando o avanço da
compreensão do funcionamento humano e, consequentemente, do papel tanto das
instituições educativas para crianças de 0 a 6 anos, quanto das suas profissionais na
construção dessa pessoa.
RESUMO:
Este artigo apresenta na primeira
parte uma síntese dos princípios epistemológicos que sustentam a Teoria
Psicogenética da Pessoa, elaborada por Wallon; na segunda parte analisa o tema Emoção no interior de sua teoria e, por
último, apresenta possíveis decorrências desta teoria para o trabalho dos
educadores em geral e, em particular, dos profissionais de instituições
educativas que trabalham com crianças de 0 a 6 anos.
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Lisboa : Notícias, 1977.
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