Preservar também é coisa de criança
A preocupação com o meio ambiente é atual e envolve toda a sociedade. Veja como tratar o assunto desde o início da Educação Infantil
Nirvânia e as crianças de pré-escola no lixão: mostrando a vida real.
Foto: Canindé Soares
A questão ambiental está em alta por uma razão simples: necessidade de sobrevivência. Quanto mais cedo o tema for abordado com as crianças, maiores as chances de despertar a consciência pela preservação. Por isso, a educação para uma vida sustentável deve começar já na pré-escola. O objetivo definido pelo Referencial Curricular Nacional é observar e explorar o meio ambiente com curiosidade, percebendo-se como ser integrante, dependente, transformador e, acima de tudo, que tem atitudes de conservação.
Veja o exemplo da professora Nivânia Félix dos Santos, da Escola Municipal Ausônio Araújo, de Currais Novos, a 196 quilômetros de Natal, que implantou um projeto sobre o tema no ano passado. "A natureza dá condições para a sobrevivência do homem", explicou. "Por isso a necessidade de mostrar como preservar e minimizar a ação negativa."
Síntese do trabalho
Tema: Cuidados com o meio ambiente Objetivo: Apresentar a natureza com suas belezas, curiosidades e fragilidades. Mostrar lados negativos e positivos da ação do homem e valorizar a preservação
Como chegar lá: Levante o conhecimento inicial da turma. Esse passo revela a direção que o trabalho deve tomar. Para que eles entrem em contato com o mundo real, leve-os para aulas-passeio. Todas as observações devem ser registradas em escritos e desenhos. Prepare uma passeata ecológica com todo o material produzido. Em uma conversa posterior, veja que conceitos foram ampliados. Por fim, confronte os conhecimentos prévios com os atuais
Dica: Para falar sobre Educação Ambiental com crianças é importante abordar assuntos que produzam resultados ao alcance delas. Um bom exemplo é cultivar uma horta e depois comer as verduras e os legumes plantados
A curiosidade das crianças incentivou a continuidade e Nivânia preparou uma aula-passeio nos arredores da escola. O objetivo era observar a quantidade de lixo jogado nas ruas. Aqui fica registrado a importância dessa ação, pois em atividades desse tipo mostram o mundo real. "Ela poderia ter feito essa apresentação usando livros e fotos, mas preferiu mostrar a realidade", avalia Andréa. Na volta, já em sala, a garotada registrou o que viu em desenhos e escritos.
No dia seguinte, Nivânia fez uma comparação entre a situação das ruas e a do pátio. Era comum a sujeira após o lanche. Saíram, então, pelos corredores limpos antes do recreio apenas para observar. Na hora do intervalo, todos lancharam e aí veio a segunda parte. A professora pediu que eles notassem como o espaço tinha ficado sujo. Ela dividiu a turma em grupos e organizou uma competição. Distribuiu luvas, máscaras, sacos plásticos e pediu que fizessem a coleta.
O lixo recolhido foi levado para a classe. "Nesse momento pude trabalhar a seleção de materiais", lembra-se Nivânia. Entre a sujeira havia papel, plástico e alumínio. As crianças fizeram uma poesia e a ilustraram. A educadora pediu que eles pesquisassem mais sobre a coleta da cidade.
As crianças descobriram que todo o lixo de Currais Novos ia parar no lixão. E por que não ir até lá? Foi o que fizeram. Em mais uma aula-passeio as crianças conheceram catadores, alguns tão pequenos quanto eles, e os entrevistaram. Na sala, construíram uma maquete com sucata que simbolizava o local.
Outros tipos de poluição
Nirvânia e as crianças de pré-escola no lixão: mostrando a vida real
Primeira etapa cumprida. Era hora de falar sobre a importância da água e, para isso, mais aula-passeio. Na primeira, ao rio São Bento, o foco eram as condições do local, que recebe todo o esgoto da cidade. "Eles ficaram incomodados com os restos de alimentos, animais mortos e utensílios que viram", constata Nivânia. Na sala, nova produção de textos. Na segunda saída, a turma foi ao povoado de Totoró conhecer um dessalinizador, que torna potável a água subterrânea, em geral imprópria para o consumo por causa do alto índice de sais. Na região Nordeste essa prática é comum em função da seca.
Para falar sobre a poluição do ar, Nivânia programou uma visita à Cerâmica Currais Novos Ltda. Antonio Izidorio, gerente do estabelecimento, mostrou o processo de fabricação de telhas e tijolos. Duas coisas incomodaram. A primeira foi a grande quantidade de madeira utilizada para manter acesos os fornos que secam a produção e; a segunda, a fumaça que sai pelas chaminés.
O educador ambiental Marcelo de Queiroz Telles garante que o passeio à olaria, como forma de mostrar esse tipo de poluição, foi um bom exemplo. "Na verdade, qualquer fumaça representa isso", afirma Telles. Nivânia acertou quando foi à cerâmica, mas é preciso esclarecer que, independentemente dos prejuízos ao ar, a empresa também traz benefícios, como empregar pessoas que dependem dessa atividade para viver e fabricar produtos importantes para o ser humano. "Não se pode deixar a impressão de que a empresa é a única vilã", explica Telles. Nesse caso, é importante mostrar outras maneiras de aquecer os fornos. "É interessante fazer um exercício de listar formas de produção menos poluentes."
Depois dessa experiência, as crianças produziram desenhos e escritos e ainda discutiram o desmatamento e suas conseqüências. Nivânia reforçou a importância de preservar a natureza e direcionou o trabalho para um fechamento. Reuniu todo o material produzido e organizou uma passeata ecológica. "As pessoas na rua paravam para ver a manifestação", lembra-se a diretora Rita do Carmo Bezerra Cruz Dantas. Na volta, apresentaram um teatro aos pais. "Mesmo que a comunidade não seja envolvida em todas as etapas do trabalho, é importante que participe da finalização, porque ela toma conhecimento do trabalho", avalia Andréa.
É bom ressaltar que Nivânia valorizou todas as brincadeiras e a expressão por meio de diferentes linguagens, como desenhar, cantar, dramatizar e escrever, que são essenciais na Educação Infantil. "Sem dúvida, esse trabalho tem muitos méritos, mas é necessário tomar alguns cuidados", alerta Andréa. "Não é preciso contemplar tantos assuntos, pois isso pode cansar." Outra coisa que faltou foi levantar o conhecimento prévio das crianças, para compará-lo com o posterior. "Essa etapa traz informações preciosas que garantem uma avaliação eficaz."
O trabalho, sem dúvida, contribui para a formação de uma consciência ecológica infantil. E isso está mais que provado, pois eles conseguiram resolver problemas que lhes foram propostos. "Agora a sujeira do recreio é menor e todos incentivam a limpeza", garante Rita do Carmo.
Uma aula-passeio ao redor da escola para observar a quantidade de detritos jogado nas ruas: constatação de desrespeito
Após a hora do lanche, a garotada sai recolhendo embalagens jogadas no chão: cooperação com a limpeza do espaço em que vivem
Em sala, todos participam da seleção do material coletado: separação de plásticos, papéis e latas de alumínio
A
turma visita uma das olarias da cidade, que queima muita madeira para
secar a produção: bom exemplo para demonstrar a origem da poluição do ar
Para conhecer meio ambiente
O
professor em geral resiste a abordar qualquer assunto que não domine.
Educação Ambiental é um deles. "Não é necessário, porém, ter um grande
conhecimento sobre a natureza para falar sobre ela", garante o educador
ambiental Marcelo de Queiroz Telles. "É preciso, sim, o básico para
criar habilidades e ter a capacidade de compartilhar o saber." Telles lista uma seqüência pela qual o docente deve passar antes de qualquer ação em sala:
Sensibilização uma pessoa só consegue parceiros se estiver sensibilizada. Isso pode ser feito por meio do lúdico. Além de ser uma forma prazerosa de aprender, atinge tanto crianças quanto adultos;
Informação o conhecimento inicial pode ser adquirido em palestras, materiais impressos e sites;
Mudança de comportamento é fundamental mudar as atitudes, pois não convence uma pessoa ter um bom discurso sobre a importância da água, por exemplo, e continuar escovando os dentes com a torneira aberta;
Incentivo é muito difícil trabalhar sozinho e sem o apoio dos colegas. Se a iniciativa não for de cima para baixo, ou seja, da direção para o corpo docente, é uma boa oportunidade para sensibilizar e despertar em todos o interesse por participar;
Estratégia o professor deve escolher um caminho, ou seja, selecionar um assunto (água, lixo, desmatamento, ar) e uma forma de trabalhá-lo.
É importante ter claro que essa atividade não deve se limitar a datas comemorativas, como o Dia da Árvore. "É preciso fazer já, pois o planeta não suporta mais o modelo atual de desenvolvimento. Ele é insustentável", afirma Telles. "Essa é uma responsabilidade não só dos ecologistas, mas de cada um de nós, cidadãos e educadores."
Fonte: http://revistaescola.abril.com.br/educacao-infantil/4-a-6-anos/preservar-tambem-coisa-crianca-422841.shtml
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